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Como não ganhar prémios literários

Um divertido leitor propõe-me como tema para esta crónica o seguinte: como não ganhar prémios literários?

É evidente que este leitor tem uma olhadela crítica – e verosimilmente triste – sobre essa máquina complicada que se chama os prémios literários. Vou tentar dar saída (ou entrada) à sua maliciosa proposta.

Há uma receita infalível: não se ser escritor ou, no caso de se ser escritor, deixar de o ser. Não se ser poeta (parece que o poeta não é bem escritor, substantivo reservado habitualmente para nomear o ficcionista) ou, no caso de se ser poeta, deixar também de o ser.

Esta receita é, parece-me claro, mais teórica do que prática. Quem é que, adquirido o hábito, o vício ou o balanço, desiste de deitar letra no papel?

Outra receita será de tipo sartreano: ganhar mas recusar receber a respectiva pecúnia, o que é bonito mas não livra o escritor de ter, para todos os efeitos menos um, ganho o prémio.

Quando a um prémio tem de se concorrer, as coisas simplificam-se bastante se não se concorrer a ele. Pronto, não se fala mais nisso. Mas há uns diabos de prémios aos quais não é preciso concorrer. Basta que se publique. E, então, como um míssil, lá pode vir o prémio acertar numa obra qualquer. Isto foi, aliás, o que quase aconteceu com os prémios literários do SNI; a partir de certa altura, não era preciso que o autor concorresse; bastava que fosse o editor a fazê-lo. Facilidade bastante «simpática», não acham?

De modo que a possibilidade de não ganhar um prémio é remota. Se se for muito jovem, talvez se consiga escapar a essa distinção e aos subsequentes aborrecimentos que ela sempre acarreta. Demasiado velho, é possível, mas difícil, que o escritor possa fazer uma finta e esquivar-se ao prémio, tanto mais que, no consenso público, o escritor demasiado velho «já há muito devia estar morto ou, pelo menos, calado».

Há, quem sabe?, uma solução. Posso explicá-la: como a maioria dos prémios, que têm sempre, como é do conhecimento geral, um júri escolhido conforme as conveniências (a «política», como se diz) de cada um dos prémios – e isto de conveniências não envolve qualquer menosprezo pelas organizações e jurados respectivos – como a maioria dos prémios, dizia eu, parece obedecer à preocupação de respeitar uma certa mediania de gosto do público, por imperativos de vária ordem, entre os quais o consumo da mercadoria livro, o melhor será que o escritor-que-não-deseja-ser-contemplado-com-prémios se avantaje de tal modo aos seus colegas que passe a ser um caso absolutamente à parte na ficção (ou na poesia) portuguesa, o que, com certeza, não se afigura difícil para os numerosos talentos e génios que andam por aí errabundos. E ninguém, segundo os meus cálculos, ousará premiar um, por exemplo, Ulisses ou um The Waste Land português. Ficarão à espera anos e anos os críticos e os jurados com medo de ajuizar e decidir.

Um escritor de tal envergadura quedará, pelo menos durante umas boas décadas, livre de prémios.

Seja você um escritor fora de série se quer ficar fora de prémios.

Não lhe parece, caro leitor, que é a única saída para satisfazer o gosto (bizarro) de não desejar ganhar prémios?

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