BIOGRAFIA

1924 — 1944      |       1945 — 1951       |       1952 — 1969       |       1970 — 1986

1924

19 de Dezembro – Nasce em Lisboa, no n.º 39 da Avenida Fontes Pereira de Melo, Alexandre Manuel Vahia de Castro O’Neill de Bulhões, filho de António Pereira d’Eça O’Neill de Bulhões, de profissão empregado bancário, e de Maria da Glória Vahia de Castro O’Neill de Bulhões, doméstica, que apesar de contar apenas 19 anos de idade é mãe já pela segunda vez.

Tem uma longa história o apelido O’Neill, trazido pela avó paterna Maria da Conceição. Vem de tempos tão remotos como a origem da Irlanda enquanto reino unificado (o primeiro rei católico da Irlanda, Eogan Ui Niall, 410 d.C.) e existe em Portugal desde 1736, ano em que Shane O’Neill aqui chega, refugiado, e se instala na Quinta da Arealva, em Cacilhas

A escolha deste apelido – entre outros possíveis e que evocam ascendências tão importantes como Santo António de Lisboa (Bulhões) – como «nome de guerra» não significa certamente qualquer aspiração dinástica latente por parte do poeta. Uma tal escolha representa antes a demarcação de qualquer «modo funcionário de viver», que nunca existiu numa família com uma história mais que aventurosa: durante quase mil anos e cerca de trinta gerações, dizem as crónicas do clã, não houve um O’Neill que morresse de morte natural.

1925, O’Neill com a mãe

1926 – 1937

Alexandre O’Neill mora com a família – os pais e a irmã, Maria Amélia – na Rua da Alegria, n.º 19, 4.º Esq. Desta altura deixa-nos o seguinte testemunho: «Era um chato, uma tristeza, era filho de gente que não me deixava sair à rua. Era um miúdo fechado, um bocado triste, e passava muito tempo à janela. […] É curioso porque morava na Rua da Alegria e ela provocava-me um sentimento de tristeza, quando via subir as carroças com os trabalhadores de aspecto cansado… interessava-me o espectáculo das pessoas. […] Não foi uma infância feliz nem infeliz. Foi um tempo cinzento, sem relevos.»

Mais estimulantes e coloridos parecem ter sido os períodos de férias de Verão passados, entre os seis e os dezassete anos, em Amarante, terra natal da mãe. Aí, entre conhecimentos e convivências vários que viriam a revelar-se importantes para a sua formação, fascina-o o tio-avô José Vahia, que o acompanha em grandes passeios, dando-lhe simultaneamente a conhecer a região do Douro e a poesia de Guerra Junqueiro. O poema «Autocrítica» (in Feira Cabisbaixa) evoca essa aprendizagem: «Liguei sempre ao Junqueiro (sei porquê) / a conversa de advogado e a conversa de barbeiro. / / Um tio advogado recitou-mo quando eu tinha treze anos / e não era mudo e só na rocha de granito; / um barbeiro anarquista que me fazia a barba / com a estropiada mão bombista, / impingia-me “A Lágrima” […]».

1933 – Depois de uma iniciação escolar feita em 1932 na Escola Primária da Rua de S. José dos Carpinteiros, passa para o ensino particular, ingressando no Colégio Português de Educação Feminina, onde terminará a instrução primária e iniciará o curso dos liceus.

1935 – Das vivências amarantinas ressalta neste ano o conhecimento travado com Teixeira de Pascoaes no Café Central da vila. Dois anos mais tarde será o encontro com Alexandre Pinheiro Torres, a partir de então companheiro de aventuras, tais como o pedido de autógrafos a Bento de Jesus Caraça (que em 1938 estava em Amarante) e o tête-à-tête entre o Professor e Pascoaes, por eles diligenciado, no mesmo Café Central.

1936 – Ano de acontecimentos e emoções de diversa índole: no plano cultural, o primeiro contacto com a poesia dimensionista de António Pedro, publicada então na revista Revolução, que lhe é facultada por uma sua professora (D. Virgínia Lima); no plano político, o desencadear da Guerra Civil de Espanha, que irá seguir atentamente até ao deflagrar da II Guerra Mundial, contagiado pela ansiedade e preocupação da família a este respeito. É também em 1936 que é obrigado a inscrever-se na Mocidade Portuguesa.

   O’Neill com 10 anos em Amarante

1938 – 1943

«A partir dos quinze anos comecei a ler. Lia Júlio Verne, aqueles livros da altura que todos os rapazes liam. E escrevia versos.»

Lia também livros que os outros rapazes não liam. Nem todos, pelo menos. A passagem para o Colégio Valsassina – por força da lei de separação dos sexos nas escolas – representa o encontro com pessoas marcantes e um salto para outros horizontes. É altura do contacto com movimentos poéticos contemporâneos, como é o caso do Neo-Realismo. É o momento também em que começa a ser conhecido como jovem poeta nos meios artísticos e intelectuais da época, nomeadamente com a sua admissão ao «Grupo dos Jantares dos dias 13». Escreve então (aos 18 anos) poemas com ressaibos de Ricardo Reis (fadas, gnomos, lagos, heróis de pedra e uma Lídia por interlocutora), de mistura com um imaginário que tem já algo de neo-realista. 

A par de tudo isto agudiza-se no poeta uma atenção angustiada relativamente ao contexto histórico-político: a ascensão dos regimes nacionalistas e despóticos de Franco, Hitler, Salazar e os destinos individuais e colectivos aí jogados.

1938 – Mudança de casa: passa a morar, com a família, na Rua Arnaldo Gama, no Bairro Social do Arco do Cego. Mudança também de escola: ingressa, como já sabemos, no Colégio Valsassina, situado na Av. António Augusto de Aguiar.

Toma nesta altura contacto com a poesia de Mário de Sá-Carneiro. O professor Avelino Cunhal, a quem horroriza o entusiasmo de Alexandre O’Neill por uma poesia que achava doentia e malsã, vai em contrapartida instruindo o seu aluno, para além dos períodos de aulas, em conversas sobre a poesia neo-realista.

1939 – Ano da vitória de Franco, da eclosão da II Guerra Mundial e de um «chumbo» a Matemática no 3.º ano do liceu, prontamente recuperado em aulas particulares: a repetição do exame fá-lo subir vertiginosamente da nota negativa para os 19 valores finais.

1941 – Conhece um outro mestre no Colégio Valsassina: o professor António Dias Miguel, através do qual toma contacto com os autores do Novo Cancioneiro. Arrebata também neste ano todos os prémios de um concurso literário organizado pela direcção do colégio.

1942 Através de Ribeiro Couto, trava conhecimento com Adolfo Casais Monteiro, João Gaspar Simões, Fidelino de Figueiredo, Ruy Cinatti, Almada Negreiros, António Dacosta e António de Navarro – participantes, entre outros, dos «Jantares dos Dias 13», organizados na Esplanada do Rato, na Rua de São Filipe Néri, e para os quais O’Neill passou a ser convidado.

Destes encontros irá resultar um convite que Ribeiro Couto lhe dirige no sentido de colaborar na revista Litoral, orientada por Carlos Queiroz.

1944 – É um ano de viragem na sua vida, determinante de futuros, pelo menos, profissionais.

Segundo «chumbo» da sua vida, já terminado o liceu: no exame médico para admissão ao Serviço Militar, devido à asma e à miopia. Um grande desgosto na altura, diz. 

Outro desgosto: inscrito no curso de Pilotagem da Escola Náutica de Lisboa – onde, para ser admitido, não eram necessários exames médicos, apenas saber nadar –, só ao fim do 1.º ano do curso chega à conclusão de que nunca poderá ser piloto por causa da miopia, ao tentar obter, na Capitania do Porto de Lisboa, uma cédula para navegar como praticante de piloto. Em «Hah!», poema de De Ombro na Ombreira, ironizará à custa do episódio: «Eu andei pra marinheiro / mas pus óculos e fiquei em terra.»

Como alternativa a estes dois projectos gorados, volta ao liceu para fazer, como aluno externo, o Curso Complementar de Letras.

ALerJornal
O’Neill aos 15 anos, postal de 23 de setembro de 1939
postalAmarante