O primeiro prémio que recebi

O primeiro prémio que recebi – tinha eu 18 anos – foi uma medalha correspondente ao terceiro lugar num torneio de xadrez travado entre colectividades de recreio, dessas que vivem da «carolice» de uns tantos sujeitos. Durante anos, guardei a medalha, que, no seu bronze sempre cada vez mais oxidado, me acompanhou de gaveta em gaveta, ao sabor das mudanças de quarto ou de casa. A medalha acabou por levar sumiço: um filho meu, grande explorador de sótãos, de desvãos, enfim, dos tesouros de sobejos que todos nós arrastamos vida fora, descobriu-a. «Que é isto, pai?» / «É uma medalha» / «Posso ficar com ela?» / «Podes». Nunca mais a vi. Deve ter entrado na incessante actividade de trocas a que os meninos gostam de se dedicar.

Agora recebo o meu segundo prémio. Desta feita não por causa do xadrez, mas por causa da poesia. Os que, aqui presentes, acaso passaram pelo xadrez, devem compreender que este segundo prémio me dá muito mais prazer. Primeiro, porque é repartido com um escritor consagrado (consagrado pelos seus admiradores e pelos seus detractores); depois, porque, quanto ao xadrez – jogo nobilíssimo, com certeza – «vou ali e já venho» no que respeita aos seus sapientíssimos cultores, os chamados «intelectuais do xadrez». De pior, só conheço o halterofilismo… Este, todo músculos; aquele, todo cérebro – para mim são demais… Preferi – é um modo de dizer – jogar poesia.

Joguei bem ou joguei mal?

Joguei como pude.

Às vezes penso que a poesia que fiz foi inútil – e tiro, até, um certo orgulho disso. A inutilidade da poesia, tanto como a sua utilidade, está de há muito demonstrada. Depende, em boa medida, de uma categoria de pessoas a que eu posso chamar os adeptos. E aqui recordo um verso de André Breton:

 

Eu não sou pelos adeptos

 

Eu, modestamente, também não sou pelos adeptos…

Tentei aproximar a poesia – a minha – da linguagem falada, do linguajar quotidiano. Por decisão literata? Nada disso. Apenas como reacção à pomposidade de muita poesia que em Portugal se fazia e que voltou hoje a fazer-se, para desprazer de alguns.

Não tenho ilusões quanto à perdurabilidade do que fiz. Um relance pela literatura do passado é sempre um salutar exercício de modéstia.

Termino com um poema que ilustra bem o que acabo de dizer.

A um poeta que deixou de comparecer nas antologias

A Carlos Drummond de Andrade,
na modéstia dos seus 80 anos

Tinha de suceder deixares de suceder
a ti próprio.

Já Bocage não és? – claro! –
e quem sabe se alguma vez o foste?
Digo-te mais: nunca o serás,
nem apocrifamente.

Não almejavas tanto?

Bravo, rapaz, parece que caíste
em ti!

Como queres que uma antologia se acrescente
sem, tarde ou cedo, se diminuir?

Sabes porque se diz «gemem os prelos»?
Não penses que é por ti.

Sê razoável!

Teus versos hão-de espiritualizar muita família.

Entre netos, uma velha senhora esquecerá a meio
um soneto dos teus.

Se a sorte não te for de todo adversa,
um lusófilo, algures,
citará entre barras versos da tua lavra
numa elegante nota de rodapé.

NOTA:
Espólio de Alexandre O’Neill (Arquivo de Cultura Portuguesa Contemporânea – Biblioteca Nacional de Portugal)