Velhos / 4
Pouco a pouco arrumaram-no – é a vida! –
«num trabalho muito mais consentâneo
com as suas possibilidades actuais».
A sua experiência, Azeredo, é-nos insubstituível.
Mas… que anda o senhor a fazer com os pardais?
Primeiro, migalhas no parapeito da janela.
Depois, na sua incrível secretária!
Acredite que eu nada tenho contra a pardalada,
Azeredo, mas não despacho, enfim, a papelada
que me venha com lembranças tais!
Aqui para nós, Azeredo, sabe como lhe chamam?
Pois fique-se com esta: o velho dos pardais.
Você traz-me a rapaziada indisciplinada
e é coisa, Azeredo, que eu não tolero mais!
Por que não vai você, ó Azeredo amigo,
dar milho àqueles pombos do Rossio?
Cartuchinho no bolso, na manhã de domingo…
É muito mais próprio e até muito mais lindo!
De qualquer forma, Azeredo, tenho dito!
Azeredo agradeceu a admoestação.
Disse do seu ornitólogo amor, mas prometeu
emendar-se, cumpridor como era.
Voltou à secretária, tinha um pardal à espera.
Azeredo sentou-se e chorou em silêncio,
enquanto o passarinho com o bico lhe puxava o lenço.
Colegas perpassavam, risos maldisfarçando.
A aflição do passarinho crescia com as lágrimas
que de Azeredo, uma a uma, o lenço iam molhando.
Foi então que o pardal chamou a si um coração maior.
Seu bico aduncou-se, seu corpo (tcht!) num ápice cresceu,
desdobrou longas asas, as garras firmou
e o olhar tornou-se-lhe um fuzil do céu.
Mil espanholas refrescando-se com os seus abanicos
foi o voo da ave, que em círculos medonhos deixou tudo em fanicos.
E ainda hoje os funcionários, que fugiram aos gritos,
se recusam a entrar na sala onde Azeredo
é um cadáver feliz e incorrupto,
sob outro, alado, bastante mais pequeno!