Poesia  /  A Saca de Orelhas  /  Velhos / 3

Velhos / 3

Objecto de arte, mesmo de arte menor,
não quereria ser o velhorro do pescador-do-cachimbo.
Está farto de posar para:
    fotógrafos (de arte)
    pintores (de arte)
    novelistas (género Hemingway fase kitsch)
    poetas (dos que afogam o terrunho em mar)
    amigos da arte (em geral).

Merecia uma Irene Lisboa e o seu desatavio,
que era respeito pelas pessoas,
timidez ao aflorá-las,
medo de as perder em modelos,
melhor, em estereótipos.

O velhorro do pescador-do-cachimbo
não medalha o seu perfil contra o mar,
nem pergaminha a sua cara quando te olha.

A remadas curtas, cachimbadas longas,
vai caminho doutro mar.
Um peixe traz-lhe o pão,
outro peixe traz-lhe o vinho,
outros a aguardente, o tabaco.

Revezam-se os peixes na tarefa
de aprovisionar o pescador:
um discurso de água que se perde, perde
para muito longe de ouvidos como os nossos.

Velhos / 3
Este site utiliza cookies para permitir uma melhor experiência por parte do utilizador. Ao navegar no site está a consentir na sua utilização.
Caso pretenda saber mais, consulte a nossa política de privacidade