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O quido da quida
Quem é o quido da quida, quem é?
– Não sei…
– Ola, num sabe!
Lorena deu o retrato da santa a cheirar ao Asa de Corvo:
– E ito sabe uquié?
– Cinquen… tapaus!
O sol janelou nesse coturno momento e acendeu no cabelo do Asa de Corvo um brilho de biqueira de citadino em domingo de missa.
– Quem é o quido da quida, quem é?
– Sou eu…
Na alma do Asa de Corvo, escorvada de novo pela visão da santa, um arrepanho, algo assim como um peristaltismo de ternura, perpassou.
– Quem é a quida do quido, quem é?
– É a Lou-Lou.
Asa de Corvo vinha comer à mão.
Lorena riu um riso mau, artificial, de fotonovela. Entradota sentimentalona, com uma vida de casos, de cacos, às costas, Lorena já só tinha as ilusões que queria ter (pensava ela).
Os cinquenta eram a janela através da qual o Asa de Corvo vislumbrava uma tarde de domingo menos má. Quando a velha se explicasse com o xis, depois da rábula (sempre a mesma!), corria a telefonar à Celeste, metia vinte brecos de normal no cavalo, ia buscar o palminho de cara e gás todo aberto para Carcavelos!
Mas o cronista, que está do lado dos fracos, como qualquer super-rato que se preza, não vai deixar, não! O cronista pega numa tesoura e entrega-a a Lorena com um viril incitamento:
– Lou-Lou, faz qualquer coisa que se veja!
E Lou-Lou faz. Ri outra vez o riso mau, artificial, de fotonovela.
Com a tesoura que o invisível super-rato lhe pôs na mão corta a nota de cinquenta em pedacinhos tão pequenos como as más horas que o Asa de Corvo vai passar no que sobeja de domingo.
O Asa teve o costumado gesto de valentia.
Lou-Lou, essa, enfronhou-se no travesseiro e chorou, chorou até a maquiàge se desfazer num borrão que só o cronista, por piedade, entreviu…