Meditação sob Um Lustre
1
Pedia, do vosso gosto, menos vidrilhos na decoração.
Se a senhora vossa mão pratica, sem rodeios, o elementar do gesto,
para quê o resto?
Flutuantes pingentes sobre a minha cabeça
tilintam a repetente musiqueta dos ornatos,
quer dizer, o que de vós quer chegar a mim
como sinal de que estais de posse dessa franja cultural
que, segundo vós, separa, para mim, vulgaridade e distinção.
Engano!
A franja cultural (neste caso, vidrilhos)
temo eu que se tenha alinhado em pingentes
sobre o revirado olhar admirativo
de muitos de vós.
Deixai de ser o que nunca fostes!
2
«… nunca fostes»? Não sei…
Certas vossas casas
gritam como araras.
(É assim que se alegra Portugal?)
E eu não estou a contrapor-lhes a pureza da cal
(próximo projecto: psicanalisar a cal).
Estou a não querer desfeitear a paisagem
desencaixotando nela todos esses «meccanos»
que o consumismo fabrica para vós.
3
A burla da garridice
(uma cor para cada parede),
cores para dentro e cores para fora, etc.)
já deve estar a mentalizar-vos,
aliada à teoria da captação de luz-calor
consoante a ronda diária e a ronda sazonal do sol
no local onde o imóvel vai ser implantado.
Argumentos eficazes de venda: sol todo o ano
para o colorista fabricante.
4
– Então uma casa devia nascer como árvore?
– Seria lindo, mas falso!
Mas também não deve ser arara (ou estridência)
pousada entre couves (ou flores) que, mesmo verdadeiras,
parecem logo de plástico.
5
Do vosso gesto não espero o vosso gosto.
Por enquanto.
Mas dentro em pouco teremos de repor em causa
as franjas culturais que nos tilintam
por sobre as pobres cabeças,
emblemática a jogar fora,
quando vulgaridade e distinção
forem pássaros de museu.
O museu do que é a nossa
má qualidade da vida.