Tradução  /  O’Neill traduzido  /  Alexis Levitin

Traduzindo para inglês “Peru”, de Alexandre O’Neill – por Alexis Levitin

 

Como conseguir manter Alexandre O’Neill informal e arguto em inglês coloquial? Difícil tarefa. Eis uma tentativa.

Em seguida o “Peru”, de Alexandre O’Neill, no original e na minha tradução inglesa.

Turkey

Of turkeys, it’s all been said. Elephant of the chicken coop, the turkey can’t take any more mockery. We can, however, guarantee that the turkey kyrutes, that it isn’t bad with sauce, and that, although it’s krutey, it dies with much teyruck.
The best turkey is from the Urytek valley. But it wouldn’t pay to order it from there. It would arrive at your door without that “yutrek” for which it is so famous. You can, truckely, supermarket it: vitaminized, hormonized, sanitized, plasticized, computerized, standardized, justly prized. Take advantage, this very Christmas, of this superturkey which, a year from now will come pre-chewed, in urkety-filled tubes.

Peru

Do peru, está tudo dito. Elefante do aviário, o peru não aguenta mais apodos.
Podemos, no entanto, garantir que o peru rupe, que não é mau com
puré e que, embora prue, morre muito com urpe.
O melhor peru é o do vale do Epru. Mas não paga a pena mandá-lo vir de
lá. Chegaria a vossas casas sem aquele repu que o caracteriza. Podeis, perum,
supermercá-lo: vitaminado, vacinado, pesado, congelado, embalado, carimbado,
comprovado. Aproveitai, no presente Natal, este superperu, que, para
o ano, vendê-lo-ão já mastigado, em bisnagas cheias de préu.

A maravilha do poema é, sem dúvida, o modo como O’Neill brinca com as palavras. Tendo trabalhado em publicidade, O’Neill domina os truques da linguagem utilizada no marketing. O que ele faz aqui é propagandear um peru de Natal, ao mesmo tempo que ironiza o mundo do comércio e as manhas da publicidade.

Antes de mais, atentemos na ginástica a que ele submete o peru. “Peru” é repercutido, refletido e desdenhado através de palavras reais e imaginadas: “rupe”, “puré”, “prue” e “urpe.” Mais à frente, é-nos dito que o melhor peru vem do “vale do Epru”, que se caracteriza por um repu particular e que “perum” (porém?) ele será vendido, previamente mastigado, numa bisnaga recheada de “preu.” Oito variantes a partir de tropelias com as quatro singelas letras de “Peru”. Um verdadeiro desafio!

O sinónimo de “peru” em inglês tem também apenas duas sílabas, mas pelo menos oferece mais duas letras para brincar: “turkey.” Eis pois as invenções em inglês, esperando que possam soar ritmicamente tão naturais como se fossem palavras reais com significado próprio.

“que o peru rupe”  /  “that the turkey kyrutes”

Vejam as possibilidades que descartei até me decidir pela harmonia de “kyrutes”: “ruketeys,” “ryketus,” “urkytes,” “ketyrus,” e “rutykes.” Nenhuma delas satisfaria um peru. Mas estou certo de que um peru que se preza seguramente “kyrutes”. [rupe]

“não é mau com puré” funciona naturalmente em português, mas foi-me impossível encontrar um trocadilho equivalente em inglês, por isso decidi-me por um vulgar “it isn’t bad with sauce” [não fica mal com molho]. Para ser fiel à nossa tradição, talvez devesse ter dito “it isn’t bad with gravy” [não fica mal com molho de carne].

“embora prue, morre muito com urpe.” / “although it’s krutey, it dies with much teyruk.”

A palavra “krutey” funciona bem porque soa como “cruddy”, jargão para algo de fraca qualidade, que expressa o desagrado do emissor. Embora a palavra “teyruck” seja uma invenção, soa como um traço de caráter meritório, um tanto ousado, provocador, nobre até.

Os dois trocadilhos que se seguem foram resolvidos com facilidade:

“O melhor peru é o do vale do Epru.” / “The best turkey is from the Urytek valley.”

“aquele repu que o caracteriza.” / “that yutrek for which it is so famous.”

Mas aqui o tradutor diverte-se. E é ajudado por um golpe de sorte gramatical:

“Podeis, perum, supermercá-lo” / “You can, truckily, supermarket it”

Em inglês “truckily” soa como “luckily” [afortunadamente], deixando o tradutor enormemente grato.

O conjunto de termos dignos de nota que se seguem não brincam com a palavra “peru” mas com o absurdo da preparação comercial e processo de embalagem do pobre animal em apreço.

“vitaminado, vacinado, pesado, congelado, embalado, carimbado, comprovado.”

E aqui o inglês com o seu tour de force:

“vitaminized, harmonized, sanitized, plasticized, computerized, standardized, justly prized.”

Muitos destes termos estão interpolados, mas vêm todos do mundo desumanizado e desnaturalizado do comércio, da transformação de um peru morto num produto anónimo e anódino.

Pareceu-me, obviamente, que a repetição do final “ized” era mais importante para conseguir transmitir o espírito do original de O’Neill do que uma tradução literal dos vários processos.

A conclusão em português joga com os sons de “mastigado” e “bisnagas”, antes da personificação final do “peru” manipulado.

“já mastigado, em bisnagas cheias de préu.”

Em inglês, “chewed” [mastigado] e “tubes” [bisnagas] criam uma proximidade sonora, ao mesmo tempo que o peru pré-mastigado é, lamentavelmente, ridiculamente, apresentado em “urkety-filled tubes.” [bisnagas cheias de préu]

O som é uma parte essencial da força do poema. Num poema cheio de humor como “Peru”, perder-se-ia todo o espírito sem uma sonoridade viva e divertida. Espero que esta tradução revele a importância de ir além do significado do léxico quando procuramos traduzir o espírito de um poema, encarnado mais integralmente na sua sonoridade.

 

Tradução de Ana Castro

A versão original deste texto, em inglês, está disponível aqui.

In My Favor

In My favor
I have the secret greenness of your eyes
Some words of hate some words of love
A carpet taking off for infinity
Tonight or any other night

In my favor
Walls that slowly offend
A certain refuge above the murmur
Which insists on coming from the flow of life
The boat hidden by branches
The garden where adventure begins afresh.

The Bicycle

My husband left the house on the
25th of January. He took a bicycle,
a stone-mason’s toolbox,
was dressed in blue denim pants, a green shirt,
a gray wind-breaker, military style, had on
rubber boots and a gray hat
and took along on his bike a sack with a blanket
and a sheepskin, a camp stove,
and a blue enamel pot.
As there’s been no word, I’m expecting the worst.

The History of Morality

You’ve mounted me and there you sit,
you rotten shit!
You’ve mounted me and there you sit,
but even that won’t really make
me think like you.

For the horse thinks one way as he strides;
thoughts quite different from the one who rides.

Alexis Levitin
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