BIOGRAFIA

1924 — 1944      |       1945 — 1951       |       1952 — 1969       |       1970 — 1986

1970 – 1979

Década da Revolução.

Alexandre O’Neill expande-se em actividades várias: inicia as suas colaborações com a RTP, em vários programas espalhados ao longo dos anos; é director adjunto de uma revista; colabora em projectos teatrais vários com a Companhia de Teatro da RTP, Os Cómicos, a Companhia Nacional I – Teatro Popular.

Para além de tudo isto, continua a viver em versos e prosas, continua a sobreviver da publicidade.

O’Neill em Veneza, 1974

1970 – É editada, nos «Cadernos de Literatura» da Dom Quixote, a colectânea de textos As Andorinhas não Têm Restaurante, que reúne textos em prosa também editados nos livros de poesia e crónicas que publicava periodicamente em jornais.

1971 – Divorcia-se, em 15 de Janeiro, de Noémia Delgado. Casa-se a 4 de Agosto com Teresa Patrício Gouveia. Vão instalar-se na Rua da Escola Politécnica, n.º 48-2.º, onde Alexandre O’Neill viverá até ao fim da vida.

Começa, a par de um período de maior desafogo económico, uma fase de estadas em Azeitão, numa casa da família, muito saboreadas pelo poeta. Testemunhos deste tipo de fugas ao quotidiano e à cidade são, por exemplo, os dois poemas «Pelo Alto Alentejo» de Entre a Cortina e a Vidraça, livro editado no ano seguinte pela Estúdios Cor: «Meto butes à inteira planura. / Esboroa-se a terra. Lá pra trás, / sobraram o paleio e a literatura. / Aqui, na aparência, só a paz.»

1973 – Prepara, com Jorge Listopad, um programa para a RTP: Museu Aberto.

1974 – Colabora com Artur Ramos (com quem, aliás, já tinha trabalhado nos anos 60 para o filme Pássaros de Asas Cortadas) na produção da peça de Brecht Schweik na II Guerra Mundial, para a Companhia de Teatro da RTP, sediada no Teatro Maria Matos.

1975 – Novembro – Sai o primeiro número da Critério – Revista Mensal de Cultura, de que é director-adjunto. Esta revista, dirigida por João Palma-Ferreira, defende um ideário de democracia socialista e inclui na sua lista de colaboradores Vergílio Ferreira, Vitorino Magalhães Godinho, Miguel Torga, António José Saraiva, Álvaro Manuel Machado, Antonio Tabucchi, Hélder Godinho, José Ribeiro da Fonte e outros.

Cabe aqui referir que a «fezada» política de O’Neill se orienta decididamente para o Partido Socialista, de que se torna simpatizante. Uma simpatia nem sempre fácil de gerir (e digerir) pelo partido, às vezes azedado com este colaborador que inventa slogans de campanha eleitoral do calibre de «Ele não merece, mas vota no PS»

1976 – João Palma-Ferreira abandona a direcção da Critério. Alexandre O’Neill deixa também a revista, de que sairão ainda dois números sob uma direcção interina.

28 de Maio – Nasce o seu segundo filho, Afonso.

Traduz A Mandrágora,de Maquiavel, num exercício de mestria das duas línguas e conseguindo tornar o texto vivo, credível e dizível. A tradução destina-se ao espectáculo produzido pelo grupo de teatro Os Cómicos, sob direcção de Ricardo Pais.

Dá-se o seu primeiro acidente cardíaco grave, que o leva a ser internado no Hospital de Santa Maria durante algum tempo.

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Pedro Tamen, Alexandre O’Neill, Alberto Pimenta, Vasco Graça Moura, Miguel Torga e Eugénio de Andrade

1977 – Prepara, para a Dom Quixote, uma antologia intitulada Casa Branca Nau Preta / Felicidade na Austrália, que reúne trinta poetas portugueses contemporâneos, desde o Orpheu até 1975 – abre com Fernando Pessoa e fecha com António Franco Alexandre.

Esta antologia nunca chegou a ser editada. Registe-se, como curiosidade, a selecção que O’Neill faz dos seus próprios poemas: «Um Adeus Português», «Portugal», «Gente de Pau e Manta» e «Entre Pedras, Palavras…».

Outra antologia deste ano, esta sim editada, intitula-se Poesía Portuguesa Contemporánea, edição bilingue realizada pela Direcção-Geral de Acção Cultural no âmbito do Acordo Cultural Luso-Espanhol, em que o poeta colabora na selecção e notas.

17 de Dezembro – Participa no Encontro de Poetas em Mateus, que marca o início de uma série de actividades culturais da Casa de Mateus, onde participam igualmente Pedro Tamen, Miguel Torga, Sophia de Mello Breyner Andresen, Fernando Guimarães, Alberto Pimenta e outros.

1978 – Escreve, com Mendes de Carvalho, o texto da peça Jesus Cristo em Lisboa, tragicomédia em duas partes inspirada na peça homónima de Raul Brandão e Teixeira de Pascoaes. O espectáculo foi encenado por Norberto Barroca e Carlos Wallenstein, numa produção da Companhia Nacional I – Teatro Popular, no Teatro São Luiz.

Produzido pela Interfilme, o programa Perfil será a mais importante colaboração de O’Neill com a RTP.

Feito em colaboração com Rui de Brito e realizado por Jaime de Brito, é um programa diário, com uma duração de 5 a 8 minutos e feito à maneira do Autor: simples, directo, sem considerações nem preâmbulos. O objectivo é dar a conhecer o perfil de escritores e artistas mais ou menos conhecidos, de norte a sul do País. A forma escolhida para atingir esse fim é registar o testemunho directo do artista em questão. Alguns nomes que por lá passaram: Ary dos Santos, Pedro Tamen, Vasco de Lima Couto, Miguel Torga, Mário Botas, Luís Serpa, Maria La Salette Tavares, Manuel Alegre, António Manuel Couto Viana, José Gomes Ferreira, Calvet de Magalhães, Melo e Castro…

Agosto – Faz parte, com Álvaro Guerra, Jorge Listopad e Raul Solnado, de uma embaixada portuguesa ao Festival Internacional de Poesia, em Struga, Jugoslávia.

A editora Guanda, de Milão, edita mais um volume de Alexandre O’Neill em italiano: Made in Portugal.

A relação com as palavras é fundamental e a relação com os outros depende da relação com as palavras. Mas não sacrifico um jantar com um amigo para acabar um soneto.

Entrevista de Clara Ferreira Alves, Expresso, Lisboa, 21.9.1985.
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1979, O’Neill em Monsaraz

1979 – Edita A Saca de Orelhas, na Sá da Costa. Em torno de um tema que já vem desde «Os Velhos de Lisboa» («Velhos, ó meus queridos velhos, / saltem-me para os joelhos: / vamos brincar?»), aparece aqui um friso de poemas plenos de amor e de ternura dedicado a outros tantos velhos.

«Quatro Lugares-Comuns sobre Várias Artes Poéticas» (ou apontamentos para uma arte poética de Alexandre O’Neill) é um poema fulcral para a compreensão do modo de viver a/na poesia de um autor que resume nesta única o conjunto de «Sentenças Delirantes dum Poeta para Si Próprio em Tempo de Cabeças Pensantes»: «Um escritor deve poder mostrar sempre a língua portuguesa».

Colabora noutro projecto teatral: Ninguém, de Ricardo Pais, uma adaptação de Frei Luís de Sousa feita por Maria Velho da Costa. O’Neill escreve um belíssimo monólogo para Maria de Noronha, a precoce e sebastianista filha de Manuel de Sousa Coutinho, bem como o texto para uma personagem criada pela adaptação: o fantasma de D. Sebastião.

Durante o Inverno faz uma viagem a Itália, onde fica alojado em Vecchiano, em casa de Antonio Tabucchi, seu amigo e incondicional admirador.

Separa-se de Teresa Patrício Gouveia.

Manuscrito de Alexandre O’Neill (Espólio BNP)

1980 – 1986

Dizem os amigos que entristeceu nestes anos, que se despegou das coisas, da vida. Mas sabe-se também que tomou novos amores – Laurinda Bom e a vila de Constância.

Gostava de ler, ao filho mais novo e aos amigos dele, quando os tinha junto de si, As Mil e Uma Noites, à noite, ao deitar, com a serenidade de um ritual. Esses ouvintes lembram-se vivamente dos momentos «muito loucos» que com ele passaram em Constância.

1981 – Das idas para Constância a convite de Rui de Brito, com quem vinha trabalhando desde 1978, nasce uma paixão que o leva posteriormente a alugar uma casa na vila.

20 de Fevereiro – Divorcia-se de Teresa Patrício Gouveia.

1982 – São editadas pela Imprensa Nacional, por iniciativa de Vasco Graça Moura, as suas Poesias Completas 1951/1981, na colecção Biblioteca de Autores Portugueses, com prefácio de Clara Rocha. O volume integra um novo livro, de 1981: As Horas já de Números Vestidas.

1983 – Adere, em conjunto com outras personalidades da vida literária e artística, a um abaixo-assinado contra a programação da RTP, em que a empresa é acusada de chantagem e coacção moral.

A 7 de Abril é publicada no Diário Popular uma tomada de posição sua contra a proposta do Conselho Federal de Cultura do Brasil de extinção das cadeiras de Literatura Portuguesa nas Faculdades de Letras brasileiras.

Integra, em Setembro, uma embaixada de escritores portugueses a São Paulo, Brasil, de que fazem parte José Cardoso Pires, José Saramago, Egito Gonçalves, António Alçada Baptista, Pedro Tamen, Almeida Faria, Lídia Jorge, António Lobo Antunes e Fernando Assis Pacheco. Deste encontro nascerá o livro Viagem na Literatura Portuguesa Contemporânea, editado por Cremilda Medina na Nórdica. No prolongamento desta viagem vai à Bahia, onde fica em casa de Jorge Amado.

16 de Novembro – É atribuído às Poesias Completas, em simultâneo com Terceira Idade de Mário Dionísio, o Prémio da Crítica do Centro Português da Associação Internacional de Críticos Literários relativo ao ano de 1982, no valor de cem mil escudos.

Inicia, a 22 do mesmo mês, a sua colaboração no JLJornal de Letras, Artes e Ideias com as crónicas «A Escrita por Medida», a primeira das quais se intitula, precisamente, «Os Prémios».

Fotografia de Alexandre Delgado O’Neill

1984 – Sai a segunda edição das Poesias Completas, acrescentada já da produção do poeta até ao ano de 1983: Dezanove Poemas.

1985 – É reeditada Uma Coisa em forma de Assim, agora com a chancela da Presença. Interrompe, em Março, a sua colaboração no JL por motivos de saúde: é internado por oito dias no Hospital de Santa Maria para fazer uma desintoxicação medicamentosa.

1986  9 de Abril – Tem um novo acidente cardíaco enquanto trabalha na Publinter. É internado na unidade de cuidados intensivos do Hospital de Santa Cruz, em Carnaxide, sendo posteriormente transferido para o Hospital Egas Moniz, onde virá a falecer a 21 de Agosto.

Um mês antes, em Julho, é editado o seu último livro, na colecção «Círculo de Poesia» da Moraes: O Princípio de Utopia, o Princípio de Realidade seguidos de Ana Brites, Balada tão ao Gosto Popular Português & Vários Outros Poemas.

É um livro triste, melancólico, que impressiona pelo tom, diferente de todos os outros, pelo facto de ser a travessia de uma vida em 10 poemas. É também lugar da última prece (da última «fezada»?) do poeta:

«Dai-nos, meu Deus, um pequeno absurdo quotidiano que seja,
que o absurdo, mesmo em curtas doses,
defende da melancolia e nós somos tão propensos a ela!»

Manuscrito do poema «Vale Derradeiro» (Espólio BNP),
publicado em Poesias Completas & Dispersos (Assírio & Alvim, 2017)

NOTA
Texto de Ana Maria Pereirinha, publicado em 1990 aquando da edição das Poesias Completas 1951/1986, da INCM, revisto e corrigido pela autora.