BIOGRAFIA

1924 — 1944      |       1945 — 1951       |       1952 — 1969       |       1970 — 1986

1952 – 1956

Período de acalmia nas andanças literárias, mas nem por isso um período de vida mais tranquila. As tomadas de posição ideológicas trazem-lhe dificuldades: desde o despedimento da Função Pública até à passagem pelas prisões da polícia política.

A insegurança nos empregos que vai tendo – e que nunca consegue aguentar durante muito tempo – associada a um desinteresse absoluto por tudo o que sejam pés-de-meia ou restrições de gastos, fazem com que as suas finanças andem sempre à tangente… Nestes anos, dois amigos – Arnaldo Aboim e João Pulido Valente – arranjam, animados de boas intenções, um esquema financeiro que articula o ordenado recebido na «Metrópole» com as necessidades quotidianas e o número de dias do mês, esquema a que rapidamente se furta. Anos mais tarde diz em «Caixadòclos»: «– Rua do Jasmim, anda, diz que sim!/ – É o do terceiro, nunca tem dinheiro…»

1952 Por se ter recusado a usar gravata preta pela morte do marechal Carmona é posto sob «vigilância especial» na Caixa de Previdência onde trabalha, depois transferido de secção e por fim demitido compulsivamente da Função Pública.

1953 – Em Março entra para a Companhia de Seguros Metrópole, como funcionário da secção de Sinistros Automóveis.

Nesta altura, constam já do seu currículo colaborações para os jornais e revistas Litoral, Mundo Literário, Seara Nova, Diário de Lisboa, Cadernos de Poesia, Vértice e Journal des Poètes. Para além destes títulos, tinha também já colaborado, em 1951, na revista Unicórnio, de José-Augusto França, onde foi publicado «Um Adeus Português» e onde, em 1956, será igualmente publicado «Meditação na Pastelaria».

É preso pela PIDE no aeroporto por ter ido esperar Maria Lamas, que voltava de reuniões do Conselho Mundial da Paz realizadas em Bucareste. É enviado para a prisão de Caxias juntamente com António José Saraiva, Jaime Cortesão Casimiro e Leonor Casimiro, que também se encontravam no aeroporto com o mesmo propósito.

Fica na prisão durante quarenta dias, sendo visitado semanalmente pela irmã, que o faz à revelia dos pais. Mas é a mãe que acabará por mover influências, contra a vontade do filho, para que ele seja posto em liberdade.

O’Neill por volta dos 30 anos, fotografia de Anya Tuivola

1954 A 13 de Março pede a demissão da companhia de seguros, alegando um «muito precário estado de saúde» e «necessidade de repouso absoluto».

Em 1 de Agosto entra como escriturário para a divisão agro-química da Sandoz.

1957 — 1960

Fotografia de Jaime Casimiro

1957 – Casa, em 27 de Dezembro, com Noémia Delgado. O casal vai morar para a Rua do Jasmim, rompendo-se apenas nesta altura o ciclo de idas e voltas que ligava O’Neill à casa dos pais.

1958 – Sai No Reino da Dinamarca, na colecção «Poesia e Verdade» da Guimarães Editores. É um livro que dá já o tom da obra do poeta: a ironia – que é sempre moralizadora –, o sarcasmo e o cinismo – formas pudicas de (não) expor desesperos, ternuras, sofrimentos. Veja-se o emblemático «O Revólver de Trazer por Casa».

Autênticas armas terroristas são também os bichos – um bestiário que vai acumulando espécimes ao longo de toda a obra. Aqui são os voos de «”Albertina” ou “O Insecto-lnsulto” ou “O Quotidiano Recebido como Mosca”»; as vespas, formigas, cabras, gafanhotos, pombas, bichos-de-conta, pulgas, lagartos, galinhas – todos transformados em palavras – de «Animais Doentes»; a formiga, o cisne a andorinha, o grilo de «De Um Bestiário»; o peixe de «Sigamos o Cherne» ou as «quatro minúsculas patas/Venenosas da angústia» de «A Noite-Viúva».

No fim de Julho, deixa o emprego de escriturário na Sandoz.

1959 — O’Neill trabalha, a partir de Julho, como encarregado da Biblioteca Itinerante n.º 17 da Gulbenkian, com ponto de irradiação em Lisboa.

Branquinho da Fonseca, director do Serviço de Bibliotecas Itinerantes da Gulbenkian, «recruta» os encarregados, à falta de técnicos, entre os jovens poetas da época. Foram assim seus colegas, por exemplo, António José Forte e Herberto Helder.

23 de Dezembro – Nasce Alexandre Delgado O’Neill, o seu primeiro filho.

1960 — É editado Abandono Vigiado, na colecção «Poesia e Verdade» da Guimarães.

O ludismo no manuseio das palavras, o prazer na subversão de sons, de sentidos, de formas poéticas fixas (veja-se «Sonetos Garantidos», «Catorze Versos») e de outros códigos literários («O Adjectivo», por exemplo) estão bem patentes neste livro onde pontua até um «Divertimento com Sinais Ortográficos», que é exactamente apenas isso.

Em Maio, abandonado o Serviço de Bibliotecas Itinerantes, volta para a Sandoz.

Trabalho diariamente na publicidade de produtos e serviços. Nunca tive de enganar ninguém. Se assim acontecesse, mudaria de profissão. Que os consumidores nos consumam e vigiem…

 Entrevista com O’Neill, Diário de Lisboa, Lisboa, 22.9.1986.

1961 — 1969

É a década da eclosão da Guerra Colonial. Na sociedade portuguesa são cada vez mais visíveis os estigmas da opressão a que alude, em 1960, «O Poema Pouco Original do Medo».

Esgotada a primeira experiência conjugal, O’Neill faz uma peregrinação por moradas várias, que o leva da Rua do Jasmim para a Rua da Saudade, depois para a Costa da Caparica, onde vive cerca de dois anos (desta vivência ficará testemunho num dos poemas da série «Amigos Pensados» de A Feira Cabisbaixa: o vizinho Manuel), até estabilizar finalmente na Rua de S. Marçal.

Encontra, nesta altura, o trabalho que melhor se lhe adapta: entra para o mundo da publicidade, onde permanece até ao fim da vida e que, aliás, deixará ressonâncias na sua poesia, num intercâmbio entre níveis diferentes de ofício da palavra.

Trabalha sucessivamente em quase todas as maiores empresas do ramo: começa na Telecine Moro, passa pela Publicis, pela Ciesa NCK e pela McCann Erickson. Os anos 80 serão divididos entre o trabalho com dois amigos, em duas empresas: Rui de Brito, na Publinter, e Arnaldo Aboim, na Lápis.

Deixou, de resto, slogans que fizeram história, alguns impossíveis de divulgar, por subversivos. O mais famoso de todos é, sem dúvida, o arquicitado «Há mar e mar, há ir e voltar», feito para uma campanha do Instituto de Socorros a Náufragos.

Data também deste período uma experiência diferente: escreve a letra do fado «A Gaivota», com música de Alain Oulman, para Amália Rodrigues.

Durante estes anos tem uma ligação com Pamela Ineichen Pinheiro que manterá com o poeta uma relação sólida e duradoura de amizade.

1961 – Suicida-se, em Paris, Nora Mitrani, aos 40 anos. Nunca se voltaram a ver.

O’Neill colabora com Ilse Losa na tradução do volumeTeatro I, de Bertolt Brecht, para a Portugália. É sua a tradução das letras das canções de A Boa Alma de Sé-Chuão.

Deixa definitivamente a Sandoz, no final de Setembro.

1962 – São editados os seus Poemas com Endereço, na colecção «Círculo de Poesia» da Moraes.

Desde o «Auto-Retrato» da abertura, decalcado do modelo bocagiano («O’Neill (Alexandre), moreno português, / cabelo asa de corvo; da angústia da cara, / nariguete que sobrepuja de través / a ferida desdenhosa e não cicatrizada.»), é um livro sob o signo da auto-ironia, evidente também em poemas como «O Lanterna Vermelha» ou «Alexandre».

Publicam-se duas antologias poéticas da sua autoria: uma – a de Teixeira de Pascoaes – de parceria com Francisco da Cunha Leão, integrada na colecção «Poesia e Verdade» da Guimarães, e uma de Carl Sandburg, do que é também o tradutor, na Editorial Tempo.

1963 – É editada, na colecção «Poetas de Hoje» da Portugália, uma antologia de poemas escolhidos de João Cabral de Melo Neto, organizada por O’Neill.

Traduz as letras das canções de O Círculo de Giz Caucasiano, para o volume Teatro II, de Brecht, continuando a colaboração com Ilse Losa.

   1969, O’Neill, Costa da Caparica, fotografias de Teresa Patrício Gouveia.

1965 – É editada, pela Ulisseia, Feira Cabisbaixa, metáfora de um Portugal que percorre, amarfanhado, desesperante e amado, as páginas deste livro. Espécie de «balanço de contas» do poeta O’Neill, a magistral «Autocrítica» a que aqui se submete constitui uma peça importante para a compreensão da obra e da maneira de a viver.

1966 – É editada, pela Einaudi, de Turim, a tradução de poemas seus intitulada Portogallo Mio Remorso da responsabilidade de Joyce Lussu. Não é por acaso que são os italianos os primeiros a interessar-se pela tradução e edição de Alexandre O’Neill: trata-se com certeza de um reflexo do interesse muito especial que ele sempre dedicou a Itália, à sua cultura, à sua história, à sua língua.

1967 – A colecção «Poesia e Verdade» da Guimarães reedita, em volume intitulado No Reino da Dinamarca,a obra poética do autor.

1968 Publica O Poeta Apresenta o Poeta, antologia da poesia de Vinicius de Moraes organizada por O’Neill. O poeta (O’Neill) também ciceroneia e acompanha o poeta (Vinicius) que vem a Lisboa nesta altura. Os dois ficam amigos.

1969 – Segunda edição de No Reino da Dinamarca – Obra Poética (1951-1965). Sai De Ombro na Ombreira, na colecção «Cadernos do Poesia» da Dom Quixote. Entre instantâneos do quotidiano lisboeta, e em geral da «videirunha à portuguesa», emerge de repente a «Má Consciência» do poeta relativamente à forma de ganhar a vida do homem que o sustenta: «O adjectivo / dá-me de comer. / Se não fora ele / o que houvera de ser? / / Vivo de acrescentar às coisas / o que elas não são. / Mas é por cálculo, / não por ilusão.»

Recorte do Diário Popular (21 de Julho de 1969) com o poema «Mar da Tranquilidade» (Espólio BNP), publicado em Poesias Completas & Dispersos (Assírio & Alvim, 2017).