Lisboa 1.V.52
Meu caro Amigo:
Ignoro porque não me escreves. Ignoro porque não me respondeste à carta em que te pedia socorro. Lá terás as tuas razões.
Preciso urgentemente, mas URGENTEMENTE!, do álbum surrealista e do quadro. Se os puderes vender aí, seja por que preço for, agradeço-te bastante. Se não puderes peço-te que mos envies imediatamente porque tenho que os vender. A minha pequena biblioteca já está a ir por água abaixo. Quero ver se não vai completamente — e tenho coisas urgentes, inadiáveis a pagar!
Espero que desta vez me digas qualquer coisa, que me escrevas imediatamente.
Fica-te muito agradecido
O O’Neill
R. Costa Goodolfim, 6 – 1.º Dto. Lisboa
Lisboa, 26.2.52
Meu caro Alexandre:
Alegro-me por saber que não estavas chateado comigo. De resto já resolvi o tal complexo de te julgar chateado pelo motivo «massa». Ignorava a caluniazeca do Césariny – mas não resisto a chamar-lhe pela primeira vez um evidente filho da puta.
É portanto com toda a franqueza, e sem «literatura» que te peço auxílio. A importância prevista (350.00) chegará para aliviar esta coisata. Entretanto – e se conseguires «colocar» o quadro e a revista, alivia a dívida que eu contrair contigo.
Pela primeira vez de há muitos anos a esta parte (solene!) antevejo a possibilidade de me casar com uma moça decente. Reorganizar a vidinha é uma preocupação de todos os dias, agora. Sobre isto queria falar contigo, longamente: possibilidades de outro emprego, estudo urgente do inglês «comercial», etc., etc. Aguardo que venhas a Lisboa, como pensavas. Não há dúvida que só uma especialização – por pouco complexa que seja – pode safar profissionalmente um fulano. É mais ou menos isso que me faz falta e que eu vou ver se pacientemente adquiro. Portanto: quando vens a Lisboa?
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Espero as provas de A Voz Recuperada. Alguma encrenca? Tenho umas pequenas coisas (sem importância, de resto) a corrigir na «carta».
Volta e meia perguntam-me, aqui por estes cafés, quando sai ou não sai o teu poema e o Armindo – que afinal não é o tipo chato (pessoalmente, é claro) que nós supúnhamos – perguntou-me se sempre é verdade tu meteres-te com ele no poema… Eu dei a resposta certa: não é, especialmente (oh que ambiguidade sacana!) com nenhum dos poetas da nossa praça. Creio que foi o Eugénio que levantou por aqui essa lebre…
Eu ando amargurado e triste como um cão. Até sonetos já fiz, calcula tu!… Parei, quase no final, o tal longo poema e não sinto, por enquanto, forças para o concluir.
Tenho que resolver, primeiro, a vida, para resolver a poesia, depois. Não sei fazer poesia com ausências ardentes. Não tenho grande jeito para evocar melancolicamente o passado. Não sou poeta lírico, no sentido comum.
Enfim, espero melhores dias,
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Manda-me o Zdanov (Sur la Littérature, etc. ). Preciso de o devolver.
Quanto apareces por cá?
E a Suíça? Igual à dos cartazes de turismo?
Fico a aguardar, sem complexos, a massa e peço-te que me escrevas o mais depressa que puderes…
Aceita um abraço do teu amigo
Alexandre
NOTA
Espólio de Alexandre Pinheiro Torres (Arquivo de Cultura Portuguesa Contemporânea – Biblioteca Nacional de Portugal)