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Alô, Vovô!

A Manuel Bandeira, nos seus 80 anos.

Esperei vê-lo por aqui um dia, seu dentuças,
travar-lhe do braço e contar-lhe como o Maximiliano do México foi parar ao Rossio
(toda a gente julga que é Pedro IV o pedestalizado),
apontar-lhe o frustrâneo cotovelo lusitano
no mármore dos cafés,
comer com Você joaquinzinhos inteirinhos e duma só vez,
fazer boca ou boqueirão com o vinho (que era) de tostão,
mostrar-lhe como eu e o Cinatti caprichamos nas saladas
(aqui não põem coentro na salada, calcule Você!),
saladas de alface, agrião,
coentro,
rabanete, tomate,
mais coentro,
mas «cebola, não!»…
Ch’bola, non!
… que não sai nem com o desodorizante que chamam de halazon.

Um pulo à casa onde nasceu Pessoa, sim?
(Nós não somos pessoas assim à toa, não!)

E em minha casa, à Rua da Saudade, a cavaleiro do rio,
Você podia fumar escondido dos adultos
como na outra Saudade do seu Recife de menino.
Depois: broto ou brisa
com Anarina, mas sem Adalgisa…

Atenção, Poeta: re-cepção!

Iríamos deixá-lo à porta da recepção,
da sessão de autógrafos,
de antropógrafos,
às mãos dos vestibulantes tão (p)restantes.

À saída lá estaríamos pra levá-lo ao hotel
e, esquecida a poesia, a literatura,
num repente de ternura pegar-lhe na mão:

– Sua bênção, Vovô Manuel !

Remessa

Drinka, trinca
connosco, Manuel,
sem autógrafo nem cóquetel,
que nós não podemos ter os teus oitenta,
nem com uísque, nem com água de Juventa,
Manuel!

Alô, Vovô!
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